sábado, julho 22, 2006

Um dia foi sábado e acordei junto de mim na borda da cama cansada pelos tempos de espera.
Não era a minha que estava sempre alinhada, sempre pronta para ela própria. A minha cama não me pertence, nem a cama onde acordei, nem cama nenhuma onde já tenha tido que acordar, ou até de dormir.
Naquele sábado, senti a falta da cama que certamente tinha sentido a minha falta. Certamente que a minha cama, só de mim, não passou bem, não pode ter passado.
De olhos cansados olho sem ver um quarto grande com a côr deslavada pelos anos e as paredes cansadas pelo esforço de tantos quadros de tantos restos de antigamente. Realmente é grande tem duas janelas que abrem para dentro, cortinas uma tábua ao centro, uma casa de banho com mais duas janelas e um chão de pedra bujardada fabuloso, é grande.
Tem muita luz este Domingo que me envolve fresco, de porta entreaberta, em que as horas restantes são minutos contados num relógio de corda onde os atrasos são mais fáceis de entender. Afinal já passou é Segunda ou Sexta, é igual amanhã ou depois vai ser outra vez Sábado e vou poder dormir novamente sem pressa na cama na cama que me quiser.

domingo, julho 16, 2006

Fazemos aquilo que somos, conversamos gostos, discutimos prazeres e voltamos para acordar novamente a meio duma viagem, num caminho com falta de sentido para o desejado fim.
Sempre a caminho para lugar nenhum, cheio de tudo de um lado cheio de nada do outro.
Hoje voltei a "apanhar o comboio", sentei-me no mesmo lugar de há vinte anos junto à janela
do lado contrário à linha, os mesmos cheiros, as mesmas roupas, até as pessoas no seu igual quotidiano enremeladas por noites mal dormidas lá estavam. Agora todos vão a ler o jornal, talvez tenha sido a única mudança desde então, agora as pessoas sabem mais. Na altura compráva-se o jornal que era lido, as notícias discutidas e por fim ainda era levado para casa
porque sempre dáva jeito para forrar o balde do lixo. Hoje não, hoje não é assim.
Agora dão-nos as notícias em jornal fresco do dia quando entramos na estação, como não se paga todos lemos as notícias enquanto o destino chega, depois com a mesma facilidade que veio fica abandonado dando até ar de quem por lá passou os olhos não o percebeu, mas há sempre a possibilidade do próximo pegador de jornal o perceber pois agora os jornais já não vão para casa, não fazem falta, agora as pessoas sabem mais e há sacos para o balde do lixo.
A meio do caminho, numa outra mesma estação dou-me conta da chegada a casa, dum mesmo sentir de final de dia Verão, agora também temos uma voz sensualmente femenina que se anuncia indicando as horas e os lugares de cada um.
Tive que parar para poder viajar......



segunda-feira, julho 10, 2006

Sr. Professor......

Já está, acabou, fim, the end, ou finito.
Imortal povo este, Nação berço de Nações, condição ganha em guerras combatidas até ao último dos suspiros, até ao último dos homens, Nação valente, sem quaisquer margens para dúvidas, nobres destemidos que deram novos Mundos ao mesmo Mundo.
No seu tempo Sr. Professor parece que tudo era mau, ou foi mau. País, regime, pessoas, polícias, estradas, escolas, artistas, cultura, sei lá, não foi muito do agrado do dito povo. Passaram quarenta anos, é verdade, até para mim Sr. Professor e tudo mudou.
Hoje temos pessoas e polícias, estradas e escolas, artistas e cultura, desporto e futebol. Sr. Professor até começámos a ter que ouvir "Portugueses", acabámos com "o povo", mas ninguém diz nós, isso é para alguns, tudo está diferente, tudo melhorou depois do Torres, do Coluna e mesmo do "Pantera Negra", agora simplesmente Eusébio, com merecida estátua.
Agora as pessoas, nós, os Portugueses estamos realmente bem, com orgulho pela obra feita desde o seu tempo, satisfeitos como garoto com bola nova, como cachorro de pêlo escovado, estamos eufóricos na felicidade palerma de "mãe" adolescente. Estamos como estamos, e já chega. Satisfeitos por ser Portugueses, como aliás, já o éramos...
Hoje tudo é diferente, temos outro Sr. Professor, vias rápidas, estádios até Liberdade para podermos com mérito próprio chegar quase, quase, como no seu tempo, a uma final. Enfim...
Chegámos lá mas foi ligeiramente pior, festejámos, isso sim, realmente melhor com plasmas por pagar, em esplanadas cheias de fome em estradas cobertas com as cores da nação, umas vezes trocámos o lugar do vermelho encarnado pelo verde, mas são coisas em que ninguém repara, o importante é a festa. Não a outra, a do seu tempo, aquela à Antiga Portuguesa, em Praças engalanadas para Toureiros e povo se deslumbrarem com almas e tércios, bandarilhas
magníficas executadas com a perfeita mestria de quem sabe ao que foi. Grande Chibanga.
Agora temos os defensores dos animais dos outros que não sabem cuidar dos seus, e temos o
Campo Pequeno renovado, coisas novas, centros comerciais para conseguirmos ainda ser mais
felizes, é verdade, levamos a felicidade para casa em sacos cuidadosamente ordenados num carrinho que depois empurramos até ao nosso próprio meio de transporte, agora "quase" todos temos um, nesta altura como andamos muito contentes buzinamos imenso para que todos saibam que ainda existimos, foi a maneira encontrada para exaltar o nosso Patriotismo, e aproveitar para fazer notar o carro, depois lá vamos alegremente para casa, também "quase" todos temos uma, repartir a felicidade enquanto dura pois agora os meses são rápidos embora pareçam séculos, lentos só os ordenados que agora tardam em chegar, tecnologias.
E temos férias e montes, quer dizer muitos, de cartões na carteira, carteiras de pele, de marcas conhecidas, antes não havia tantas carteiras, nem cartões, nem bancos. Os bancos antes eram uns sovinas, uns pobres, hoje há muitos e ajudam-nos quase sempre, os bancos agora são muito ricos, isto melhorou muito desde o seu tempo, está tudo muito diferente.
Os jornais dão-nos bandeiras que vendemos com notícias importantes àqueles que ainda se preocupam em saber como vai a nossa Nação, pode não acreditar mas as notícias são muito parecidas com as do seu tempo só que agora não temos censura, também há cada vez menos gente com integridade e capacidade para isso, enfim depois de contas feitas, de votação efectuada pelos mais entendidos orgãos internacionais, notícia para o papel, ganhámos afinal um primeiro prémio, um almejado primeiro lugar, tinha que haver um,......fomos os mais empolgantes do Mundial, empolgantes é verdade. É a conhecida vitória de Pirro, para nada.
E no seu tempo não éramos empolgantes?, mas não havia ainda este prémio, aliás deve ter sido o primeiro e até nisso somos pioneiros, inovadores. Empolgante, foi a Amália no Olimpya, foram as antigas Colónias, talvez até Caxias ou mesmo a Pide para alguns, agora não, agora é o marasmo o agonizar de peixe vivo a quem temos de tirar o anzol para depois voltar a repetir o acto com o mesmo entusiasmo das horas dos dias anteriores.
Enquanto estamos com uns não podemos estar com uns outros, é condição.
O campeonato está aí a chegar como bom povo que somos, todos nós, vamos carpir mágoas passadas em derrotas de fim de semana, vamos recordar vitórias de outros nos ganhos próprios de cada um e alheios de nós vamos sentir o direito à indignação por Deus dormir lá, junto dos outros novos deuses na Roma democrática da velha itália.
Vou-me embora Sr. Professor, estou cansado, vou p'rós Fascistas......



domingo, julho 02, 2006

Tardes de Verão......

Hoje tentei compreender o vento, o que sente quando passa por mim, perdido no seu caminho atrás de ontem, despercebido de mim, da minha existência. Atravessou a rua, mudou de passeio como quem não quer cumprimentar, esquivou-se como namorada antiga, como devedor quase esquecido de qualquer coisa, passou simplesmente por mim.
Estava fresco, com sabor a novo e cheiro a mar, tem sorte o vento, vai para onde quer, umas vezes depressa outras devagar, umas vezes quente outras gelado, mas vai sempre.
Encontrei-o duas ruas abaixo no Beco da Torre, sózinho, acocorado num vão de escada onde mal se ouvia mas era ele realmente, triste e sem força, cabisbaixo como criança que faz asneira...
A conversa foi rápida, ele estava cansado de tantos anos passados, já conhecia o mundo todo, esteve onde a minha memória não chega, conhece o que nunca acreditei existir e então falou do mar. Era o mar a razão da sua tristeza.
Fizeram tantas viagens juntos, conheçe-o tão bem, fazem acordos acerca dos tempos que vamos passar, decidem sobre nós, mas ele não o consegue agarrar. Adora-o, leva-o para todo o lado, tráz-nos o seu cheiro, dá-nos o seu sabor, trá-lo de bandeja a cada um, mas não o consegue tocar, sentir a força da sua vontade, a vontade que tem de ser enorme, de ser azul, reconhecido e respeitado por todos, afinal o mar era imenso, amado por todos e ele companheiro inseparável de tantas viagens não mais que um desconhecido, e partiu.
Encontro-me também por vezes em mares desconhecidos que não agarro, mas como o vento, viajamos juntos, semanas, meses. São horas em perfeito desalinho com os dias, onde o querer agarrar nunca é mais do que a vontade dum vento fresco numa esplanada de mar em final de tarde de Verão.